Certa versão do famoso conto da Chapéuzinho Vermelho foi apresentada a uma adolescente e esta foi questionada antes e durante a leitura sobre quais expectativas ela tinha diante do texto um tanto peculiar que estava prestes a ler porque afinal, esta era a versão do Lobo Mau, do qual ela ainda não conhecia.
Sendo assim, nossa adolescente disse antes da leitura que:
"Eu acho que em toda história ambos os lados tem de ser ouvidos. Mas eu nunca parei para pensar no lado do Lobo Mau! Talvez ele não seja tão mau assim... Acho que no fundo todos tenham um lado bom, a gente só tem que tentar entender porque nem sempre demonstram. Quero muito saber porque o lobo "sempre" foi mau! As vezes pode ter comido a Chapéuzinho e a Vovó porque era seu instinto..."
A História de Chapeuzinho Vermelho (na versão do lobo)
Adaptação do vídeo de Celso Antunes
Esta história será contada de uma maneira não tradicional.
Certa manhã, estava eu passeando pela minha casa – sim, porque eu não sei se
vocês sabem, mas a floresta é a minha casa – e, de repente, deparei com uma visão
terrível.
Vi uma menina vestida com uma roupa vermelha horrorosa, com um chapéu vermelho
igualmente horroroso, carregando uma cesta cheia de produtos embalados com
material plástico, que leva milhares de anos para se desintegrar na natureza.
Imaginei que ela fosse fazer um piquenique ou coisa parecida e pensei: não posso
permitir que ela deixe aquele material jogado pela mata. Ela vai sujar a minha casa e
dos meus companheiros de floresta. Vou tentar preveni-la dos cuidados ecológicos
fundamentais. Por outro lado, que descuidados são esses humanos: deixar uma
menina tão pequena passear pela floresta desse jeito, correndo o perigo de ser
apanhada por algum predador (dentre os quais eu me incluo).
Como eu estava com o apetite devidamente saciado resolvi, sem segundas intenções,
falar com a menina e induzi-la a sair da floresta pelo mesmo caminho por onde entrou.
Isto seria melhor para todos...e assim o fiz, mas, assim que me deparei com a menina,
ela foi logo gritando feito uma louca e me batendo com a cesta que tinha na mão; nem
sequer me ouviu, não me deu oportunidade para falar o que eu queria e explicar o
motivo da nossa conversa. Só repetia várias vezes que eu não iria comer o lanche que
ela havia preparado para a sua vovozinha, que eu era horrível, que isso e aquilo. Logo
vi que não conseguiria atingir o meu intento. Mas...ela é só uma menina...e assim
pensando, resolvi perdoá-la.
Neste momento, peço a garota que dê uma pausa na leitura e me diga como acha que a história continuará, com base n que foi lido até o momento, quais suas perspectivas em relação aos próximos acontecimentos:
"Eu continuo achando que o Lobo não seja tão mau. Acho que ele vai sim fazer algo mas também, ele acabou de perdoar a Chapéuzinho, né... Então não sei. Talvez ele apronte com ela mas creio que vai se arrepender depois. Não queria que ele fosse mau de verdade!"
Apesar de ter ficado furioso com ela num primeiro instante, resolvi procurar por uma
velhinha que, algum tempo antes, havia construído uma casinha de madeira perto do
rio. Na época, todos nós aqui da floresta havíamos ficado furiosos com ela, pois
derrubou nossas árvores e, assim, destruiu a casa de muitos de nossos companheiros animais para construir aquela casa horrenda, mas, devido à avançada idade,
resolvemos relevar e deixá-la ficar. Só podia ser ela a vovozinha daquela menina tão
mal-educada.
Segui por atalhos que só nós, moradores da floresta, conhecemos e, assim, cheguei
na casa da velhinha bem antes da sua neta. Segui um caminho muito longo para
alertar a senhora dos males que ela e a sua neta poderiam provocar no nosso
ecossistema, mas ela também não me deu a menor oportunidade de me pronunciar;
foi logo me batendo e fazendo um escândalo tremendo, muito barulho, muita gritaria,
virou-se e pegou uma velha espingarda, certamente com a intenção de matar-me. Não
tive outra alternativa, senão comer a velha senhora.
Minutos depois, a menina acabou chegando na casa da sua avó. Sabendo que ela iria
provocar novo escândalo, resolvi me disfarçar e, assim, vesti algumas roupas da tal
velhinha e tentei me fazer passar por ela, deitado em seu leito.
Quando ela chegou, tentei dissuadi-la a ir embora o quanto antes, mas a menina
novamente começou a me insultar dizendo: que nariz grande e horrível você tem...que
orelhas estranhas você tem...que olhos caídos e remelentos você tem... Eu procurei
responder a todas as perguntas com ternura, mas para tudo há um limite, e minha
paciência já estava em ponto de se esgotar, quando tirei o disfarce. Diante dos gritos
da menina, e temendo a aproximação de caçadores que sempre afluíam ao local, não
tive alternativa senão comê-la também.
Meu temor, no entanto, se concretizou: um caçador me encontrou e, antes mesmo que
eu começasse a me explicar, atirou impiedosamente e me acertou... agora, cá estou
eu, com a barriga aberta, moribundo, e vocês ainda estão vibrando com isto,
ensinando suas crianças que o malvado dessa história sou eu...isso é muito injusto,
muito injusto.
Vídeo: 10 Histórias Exemplares. Celso Antunes. Coleção Grandes Autores – Atta-Mídia e Educação